O apagão do cockpit
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O apagão do cockpit
31/08/2011 – 14:59
Enviado por: marceloambrosio
Enquanto continua a discussão em torno das causas do desastre com o AF447, as autoridades de aviação dos EUA e internacionais apresentaram um dado que torna a situação mais preocupante. Atendendo a uma sugestão de um leitor (obrigado Ariel), dei uma olhada em um longo artigo produzido pela AP a respeito a perda, por parte dos pilotos, da capacidade real de manejar um avião em função do excesso de automação em todas as aeronaves mais modernas.
O estudo é apoiado em números. Segundo a International Aviation Transport Association (Iata), ocorreram recentemente cerca de 51 incidentes relativos à perda de controle durante o voo com stall ou não, nos quais os comandantes se viram incapazes de uma recuperação. O índice leva esse tipo de ocorrência a ser a mais comum na atualidade. Nas palavras de um alto diretor da Federal Aviation Administration dos EUA, os pilotos estão esquecendo como se voa, fator agravado por regulamentos que impedem, durante o voo, que o comandante exercite e se mantenha atualizado com o uso da pilotagem manual.
A própria FAA, ainda de acordo com o artigo, possui um estudo no qual se comprovou que há um excesso de confiança nas respostas do equipamento. Este, como está ligado a inúmeros sistemas,quando falha leva a uma reação em cadeia na qual os pilotos não estão acostumados a interferir. O estudo examinou 46 acidentes e 734 relatórios voluntários obtidos de mais de 9 mil voos nos quais havia no cockpit um integrante da FAA. Em mais de 60% dos acidentes, e em 30% dos incidentes menores, os pilotos tiveram alguma dificuldade em voar manualmente. A expressão utilizada pelo relatório é “automatic addiction”. Muito adequada.
Dois casos são citados nominalmente na reportagem como parte do estudo. No primeiro, a queda de um bimotor ATR em Buffalo, em 2009, o co-piloto inputou um dado incorreto no computador, o que levou o avião a um stall quando se aproximava da rampa de pouso. Diante do alarme de stall, o comandante, que não havia percebido,fez o mesmo que os tripulantes do AF447, ou seja, puxou o manche para cima, causando a freada aerodinâmica e a queda. No outro acidente citado, o do 737 da Turkish Airlines perto de Amsterdam, o computador recebeu tambem um dado incorreto do altímetro e reduziu a velocidade, causando o stall. Neste caso, o termo usado pela investigação do acidente foi “automation surprise” para definir a reação dos pilotos: de acordo com o relatório, o trio não estava monitorando a velocidade – tarefa delegada ao computador.
A reportagem ouve o capitão Chester Sully Sullenberger, autor do magnífico pouso com um A320 em pleno Rio Hudson. O comandante, talvez autor de uma das maiores façanhas da aviação moderna, acredita que tanto equipamentos, quanto pilotos, estão falhando juntos neste caso. Tem razão, e direito de falar: afinal, Sully só conseguiu fazer o pouso no Hudson – quando a torre do JFK freneticamente ordenava que se dirigisse a outro aeroporto mesmo ciente de que o jato tinha zero de potência nas duas turbinas – porque além de ter sido piloto de caças em porta-aviões durante a Guerra do Vietnã, também costumava exercitar sua habilidade de voo pilotando planadores nas horas de folga.
O bom desse debate é que, embora pareça lógica a percepção, ela esbarra nas exigências da realidade. Com o crescimento do tráfego aéreo, a FAA, por exemplo, emite regras que impedem o desacoplamento do piloto automático por decisão do piloto e a navegação confia cada vez mais em equipamentos de precisão como o GPS para poder reduzir o espaçamento vertical entre as aeronaves e também aumentar a precisão do pouso. Um dado interessante levantado pela FAA diz respeito ao tempo de voo solo em um jato regional: para etapas de duas horas em média, o piloto controla efetivamente o jato por meros 80 segundos. Há gestões para que isso seja compensado em treinamentos de simulador, mas as companhias resistem por conta da carência de profissionais experientes fora das rotas.